1. A formação, 1913-16. José Manuel Quintas A expressão “Integralismo Lusitano” foi usada pela primeira vez por Luís de Almeida Braga na revista Alma Portuguesa (Gand, 1913) designando um projecto de regeneração de Portugal. Em 1913, Almeida Braga exprimia-se em termos religiosos e filosófico-estéticos, se bem que com evidente intencionalidade político-cultural, reagindo ao Saudosismo gnóstico de Teixeira de Pascoaes (O Espírito Lusitano ou o Saudosismo, 1912) e ao movimento da “Nova Renascença” (criado pelo grupo de republicanos portuenses da revista A Águia). Na vertente político-religiosa, estes defendiam que o regime republicano abria novas possibilidades de regeneração para Portugal, mas que esta só se concretizaria se fossem quebrados definitivamente os laços com a Igreja Católica; Almeida Braga, interpretando o recém-implantado regime republicano como uma nova etapa no processo de decadência, advogava que a regeneração só seria possível através de um retorno à integralidade do espírito católico que fizera Portugal. Esta era uma visão partilhada por um grupo de jovens estudantes monárquicos, exilados na sequência da sua participação nas incursões da Galiza comandadas por Paiva Couceiro – entre os quais se contava também Simeão Pinto de Mesquita e Francisco Rolão Preto —, que contestavam, afinal, no plano religioso e filosófico-estético, uma das expressões culturais da ofensiva anti-clerical republicana. O projecto integralista lusitano, porém, depressa transbordou para o plano político. Em 1914, na revista Nação Portuguesa, sob a direcção de Alberto de Monsaraz, a expressão “Integralismo Lusitano” designava já um índice de soluções sob o título “monarquia tradicional, orgânica, anti-parlamentar”. Tanto quanto promover o renascimento do espírito católico na alma dos portugueses, criar uma nova literatura e uma nova arte despojada do espírito romântico do século anterior, havia agora que trazer de novo à luz do dia os princípios políticos da antiga Monarquia portuguesa. Para os integralistas, não haveria uma verdadeira regeneração portuguesa sem o retomar das suas antigas tradições políticas. A Monarquia do absolutismo Iluminista (introduzida em Portugal pelo Marquês de Pombal no século XVIII), bem como a sucedânea Monarquia da Carta (importada pelos liberais de novecentos), tinham sido estrangeirismos descaracterizadores, responsáveis pela subversão dos princípios democráticos e populares da antiga Monarquia. Se bem que os integralistas recuperassem o espírito dos Vencidos da Vida ao defenderem o imperativo regeneracionista de um “reaportuguesamento de Portugal”, iam agora mais fundo: era necessário recuperar o antigo pensamento político português que, do mesmo passo, reconhecera os foros e liberdades da República (das comunas urbanas, dos concelhos rurais, etc.), estabelecera as regras da sua representação em Cortes e definira o conteúdo dos pactos que os Reis, sob pena de Deposição, juravam respeitar. E foi em torno desse princípio orientador - “reaportuguesar Portugal” - que um grupo de jovens monárquicos, que não se reconheciam na Monarquia deposta — como Hipólito Raposo, Luís de Almeida Braga, José Pequito Rebelo —, se reuniu com um grupo de republicanos entretanto convertidos ao monarquismo por se não reconhecerem na República recém-implantada — António Sardinha, João do Amaral, Domingos Garcia Pulido, entre outros. Em 1914, os integralistas apresentaram um índice de soluções politicas e afirmaram obediência a D. Manuel II. O seu propósito, no entanto, ainda não visava uma intervenção política na direcção da conquista do poder. Antes de mais, havia que lembrar aos próprios monárquicos o que fora a antiga Monarquia portuguesa; era necessário voltar a semear as ideias do pensamento político português, ler de novo autores como Álvaro Pais, Frei António de Beja, Jerónimo Osório, Diogo de Paiva, Frei Manuel dos Anjos, Frei Jacinto de Deus, Sousa de Macedo, Pinto Ribeiro, Velasco de Gouveia… A primeira reacção dos políticos que defendiam os regimes constitucionais modernos, tanto monárquicos como republicanos, foi a de se fazerem desentendidos, acusando os integralistas de cópia de um movimento político neo-monárquico que, naquela época, fazia furor em Paris — a Action française. Bem diversa foi a reacção do velho “Vencido da Vida” Ramalho Ortigão que, na Carta de um Velho a um Novo (1914), depôs as suas armas perante aquela “nova ala de namorados”, explicando em que consistia a sua “incontestável superioridade”: estes tinham “admiravelmente pressentido a necessidade culminante da reeducação integral do povo português” («Filhos de Ramires» - a herança de «Os Vencidos da Vida»). Em 1915, na vaga de crescente activismo monárquico, os integralistas acabaram sendo catapultados a um lugar de destaque entre os manuelistas, apesar do seu programa contrastar vivamente com o modernismo político da maioria. Ao realizarem um ciclo de conferências na Liga Naval de Lisboa, alertando para o perigo de uma absorção pelo Reino de Espanha, o seu violento desfecho — as instalações da Liga Naval foram assaltadas e destruídas, sem que Luís de Almeida Braga tivesse apresentado A Lição dos Factos — acabou por projectá-los para a ribalta política.